Você que tem medo de chuva, você nem é de papel…

"100", acrílico sobre tela, Autoria de Claudine Rodrigues

Esta questão ressoou no meu pensamento desde o momento em que a li. De facto, já desde o inicio de Janeiro que ando a pensar nela, mas a coragem para escrever ainda não tive. Até hoje. A questão induz-me a um impulso de lhe dar uma resposta. Um conjunto de dissertações, corolários, opiniões… Mas isso obrigar-me-ia a definir, o que é Deus, o que é Criação e até colocar em causa a palavra Homem.


Num dia cinzento de chuva inesperada, caminhava eu pela famosa Avenida da Igreja. Estava um certo frio e as pessoas andavam atarefadas nas suas vidas – as idas e vindas de estranhos, os senhores dos quiosques, a vendedora de castanhas “quentes e boas” e o senhor responsável por muitos sapatos limpos e brilhantes de verdadeiros homens da banca.


O dia estava incerto – por vezes chuva, por vezes sol. Eu ia na Avenida da Igreja atarefada na ordenação mental das minhas próximas acções: chegar rapidamente aos CTT e não me deparar com uma fila enorme, voltar para casa e, finalmente, descansar. Ainda era dia. Corri para lá (não estavam assim tantas pessoas) e quando saí, a chuva já estava a cair. Parei à porta e olhei ao redor para avaliar a força da chuva. Eram gotas consistentes e as pessoas estavam protegidas sob as ombreiras dos prédios e os toldos de cafés e estabelecimentos comerciais. Quando olhei para o cimo da avenida, mesmo por cima da famosa Igreja, vi aquele arco-íris cheio de cor, das suas famosas cores - num dia cinzento e de chuva incerta. Sorri para mim e pensei: “porquê correr à chuva?”. Decidi caminhar. À chuva. Sem medo de me molhar. Como diz a famosa canção brasileira “você que tem me do de chuva, você nem é de papel […]”. Andei, devagar à chuva, e senti as gotas frescas na pele quente da minha face, era a única a caminhar na rua, não corria para fugir, apenas sorria por tal satisfação infantil. Passei novamente pelo senhor responsável por muitos sapatos limpos e brilhantes de verdadeiros homens da banca. Ele estava verdadeiramente encostado e timidamente protegido por uma saliência de um prédio. Olhámo-nos, sorrimos um para o outro e cumprimentámo-nos. Reparei que os seus olhos encaixavam numa pela acastanhada e gasta pelas rugas do tempo, mas, na verdade, eram verdadeiros mundos verdes a saltar de vivacidade.


Será o Homem é a mais bela criação de Deus?


Uma leve brisa de maresia, um magnifico pôr-do-sol, um abraço verdadeiro, um sorriso entre estranhos, subir ao pico de uma montanha onde o ar é escasso, confiar em desconhecidos que nos confiam segredos, aceitar verdadeiramente quem somos e quem são aqueles que nos rodeiam, ver para além do óbvio, sentir com todos os sentidos conscientes, confiar e assistir ao que nasce e fazer parte do que renasce.


Será o Homem é a mais bela criação de Deus?



Inês Hassamo


Fevereiro, 2010



















E porque não?








Será o Homem a mais Bela criação de Deus? E porque não? Ou porque não torná-la na espécie mais bela? A capacidade é eminente e real. E é tangível. A nossa colecção per se de átomos, de pó estelar, não nos torna mais que nada mais. Somos todos tudo e somos todos o mesmo. Mas temos tanto. Tantas possibilidades, tanto poder, tantos talentos. Contudo, usamo-los tão parcamente. Consequentemente temos a obrigação de nos elevar. Todos. Por todos, por tudo. Iniciando, começando, acrescentando. Natureza Humana é uma influência, não uma ditadura. A escolha é sempre uma opção. No mínimo podemos sempre adaptar, ou até mesmo, delinear como e quando. Sou pessimista quanto ao futuro da raça. Mas optimista em relação ao que podemos alcançar. Mais depressa nos aniquilamos directa ou indirectamente que acabemos por destruir o planeta. Ele já passou por muito pior. No entanto, é sempre mais fácil adquirir práticas ou interesses éticos ou moralistas do que olhar para dentro de nós próprios e perguntar, como posso eu ser melhor? Ou mais ainda, como posso eu ajudar, não o planeta, os golfinhos, as árvores, a fome em África, os sem-abrigo, as instituições, as agendas de uns ou de outros, mas sim o próximo. O amigo, o menos amigo, o vizinho, a família. O estranho que nos pede um favor. Um desconhecido, um indivíduo que com tão somente um olhar vemos que está só, aflito, triste, carente. Se nos interessássemos todos uns pelos outros. Com compaixão. Com interesse e sem agenda, em que mundo viveríamos nós? Para já somos a quase mais bela criação, seja de Deus seja da evolução. Estamos quase em algum lado. Para já somos pungentemente débeis e menores. Temos muitíssimo para crescer ainda. Mas não temos muito tempo para o fazer... Phil Sobral, 2010






Aqui em cima, rodeado de pequenas pedras...





"Será o Homem a mais bela criacão de Deus?"

Meu querido,

Fizeram-me a pergunta mas distraí-me e só me lembrava dos teus olhos azuis que reflectem permanentemente o ar de divertimento que tens estampado na cara.

Já alguma vez te contei que me atiraram certas pedradas que me fizeram ficar estatelada de costas no chão? Ouch! Mas cada uma que me atiram e me acerta, eu olho para ela com alguma curiosidade e eventualmente coloco-a ao meu lado no chão.

Depois sentei-me no terraço a ver o pôr-do-sol e chegou um que quando me viu rodeada de pedras começou a rir, pôs a mão no bolso e mostrou-me um punhado de pedras também.

Sabes que agora já somos tantos que vimos aqui acima? Quando era só eu não me ria, olhava só para as pedras lançadas e ficava tristíssima a perguntar-me porquê. Mas quando apareceu o primeiro e mostrou-me a quantidade de pedras que já tinha coleccionado no bolso, desatei a rir.

E vieram mais, e mais, e agora rimos todos mesmo quando apanhamos com um calhau na testa. Há uns que já apanharam com cada uma de meter medo! São enormes! Devias ver!

Sabes que até aqueles que nos atiraram as pedras volta e meia vem cá acima com os olhos cheios de água e querem abraçar-nos? Parte-me o coracão. Nós abraçamos sempre e dizemos para se sentarem que são bem-vindos. Mas eles mostram-nos uma pedrinha que têm no bolso e não conseguem rir e vão embora. Esses nunca mais nos atiraram pedras, mas talvez ainda seja preciso uma grande e variada coleccão para os fazer sentar-se connosco a ver o pôr-do-sol.

Onde é que eu ía? Conheci gente tão sorridente, mas a luz que dança nos teus olhos é a que mais me ilumina. Não vejo a hora em que podes vir sentar-te aqui comigo com esse sorriso no olhar.

Se esbarrares com Deus pelo caminho mostra-lhe as tuas lindas cicatrizes e enorme coleccão de pedras e prepara-te para uma gargalhada…deve estar desfigurado, ter os bolsos cheios e um fantástico sentido de humor!


Simone Sambento, 2010